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INVESTIGAR COM O CORPO VIBRÁTIL

"Deixa seu corpo vibrar todas as freqüências possíveis
e fica inventando posições
a partir das quais essas vibrações encontrem sons,
canais de passagem, carona para a existencialização.
[...] aceita a vida e se entrega.
De corpo e língua."

(ROLNIK, 1989)

chegança

      O território, extensão de terra ou espaço geograficamente delimitado, é mais do que um local por ser identitário. O território é também corpo: está nas pessoas que vivem aquele espaço e, simultaneamente, se faz y se transforma através da presença-ausência dos corpos no espaço.

[...] o território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, das quais ele influi (SANTOS, 2000, p.96).

      O território é conjunto: são práticas, são gestos, são paisagens, são terras, são vivências individuais e coletivas misturadas. Assim, território é um conceito multidisciplinar y fértil.

      O território pode estar ligado aos saberes e à terra, por exemplo quando pensamos no território como uma escola. O território pode estar ligado a vivências coletivas e memórias compartilhadas, por exemplo no corpo-território imigrante. O território pode estar ligado a vivências individuais e identidades, por exemplo no corpo-território trans y travestigênere. Não só pode, como o território é tudo isso - transescalar.

 

      Essa investigação foi gestada no meu corpo. Nasce de um desejo por cartografar o meu corpo-território, para me conhecer mais, para conseguir visualizar muros e fronteiras que se ergueram dentro de mim através da disciplina dos gestos, para traçar as relações entre corpo, memória e espaço e para experimentar possíveis mapeamentos anti-objetivos, anti-binários y anti-colonizadores com potencial de serem experimentados por outres além de mim mesme. Desejo que esse zigoto metamorfoseante seja um rizoma (“caule subterrâneo e rico em reservas, comum em plantas vivazes, caracterizado pela presença de escamas e gemas, capaz de emitir ramos folíferos, floríferos e raízes”) e dele brotem práticas arte-educativas de escrita de si. Confio no potencial empoderador de narrar a própria vivência, seja para si mesmo, seja para o mundo. Nem sempre a língua do território-corpo é a palavra.

      Em oposição ao apagamento e ao silenciamento - práticas colonizadoras de domínio e violência sobre os corpos-território não padrão - convido a registrar, a traçar memórias e afetos. Desejo propor atividades de registrar nossos afetos sobre uma superfície: pode ser a tinta no papel, pode ser a linha no tecido, pode ser o lápis na parede, etc. Essas atividades são para deixar rastros. Rastros analisáveis e legíveis aos sensíveis. Rastros identitários que falam sobre território. Falam do território partindo da intuição e da memória de cada ume.

      Desejo submeter o meu corpo-território a esse experimento. E brincar de ver no que vai dar (lembre-se, isso é uma investigação). Desejo que o experimento traga resultados carto-gráficos, para  que em um futuro próximo eu - y outres que assim desejarem - possam traçar extravios autocartográficos afetivos. Imagino que o resultado do conjunto carto-gráfico seja um palimpsesto afetivo-territorial. Assim, acredito que será possível visualizar rastros de trânsitos, memórias, lugares e afetos.

      Cartografar-se a si enquanto convite ao encontro: de você com seu corpo-território, no qual habitam vários lugares, várias emoções, várias sensibilidades, vários sentidos y várias paisagens.

Para os geógrafos, a cartografia - diferentemente do mapa, representação de um todo estático - é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da paisagem. Paisagens psicossociais também são cartografáveis. A cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos - sua perda de sentido - e a formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes tornaram-se obsoletos. Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para afetos que pedem passagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que, atento às linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis para a composição das cartografias que se fazem necessárias. O cartógrafo é antes de tudo um antropófago (ROLNIK, 1989).

Roubo a noção de cartografia sentimental para envolvê-la nesta investigação de territórios, pois territórios também são sentimentais.

 

Eu sou a casa que habitei na infância, o deserto que visitei no Chile, a transgeneridade não-binária, a dor no meu joelho que range, o seco na minha garganta, as paisagens da estrada Minas-São Paulo. Eu sou corpo-território e conheço-me a mim e a esses lugares ao abrir essa escrita de si em forma de mapeamentos híbridos, contra-cartografias, brincadeiras de traçar, extravios cartográficos que envolvem corpo-território e espaço. Pois a linguagem das cartografias pode variar conforme o corpo vibra. Eu, enquanto cartógrafe, quero “é mergulhar na geografia dos afetos e, ao mesmo tempo, inventar pontes para fazer sua travessia: pontes de linguagem." (ROLNIK, 1989).

[...] lembrei-me de uma pequena lição que aprendi este ano, numa pequena aldeia de Moçambique. Quando fui recebido pelos chefes tradicionais eles quiseram saber de mim, da minha viagem. ‘Cheguei há três dias’, comecei por dizer. E logo o régulo me corrigiu: ‘Não, você só chegou agora, agora estamos abrindo o coração do lugar’. De outro modo, o que esse homem me dizia era que os lugares não são coisas. São entidades vivas, possuem um coração que está nas mãos daqueles que falam com as vozes do chão.

(Mia Couto - E Se Obama Fosse Africano? - 2020) .

      Como podemos saber de um lugar sem conhecer de seu coração? Os territórios são entidades vivas. Os territórios são entidades vivas. Os territórios são entidades vivas. Os territórios são vivos. Os diagnósticos de arquitetos e urbanistas serão sempre incompletos, mas serão também insensíveis e insuficientes se não conseguirmos nos lembrar de respeitar os territórios vivos. 

território

território-solo

território-identidade

território-bioma

território-cidade,-bairro, -rua, -país

território-fronteira

território-corpo

território-mão,-pele, -pé, -céudaboca

território-trânsito, -travessia, -migrar

território-memória

território-rastro

território-coletivo

território-sonho

território visível

território invisível

território do brincar

O território, extensão de terra ou espaço geograficamente delimitado, é mais do que um local por ser identitário. O território é um conjunto: são práticas, são gestos, são paisagens, são terras, são vivências individuais e coletivas misturadas.O território é também corpo, está nas pessoas que vivem aquele espaço e, simultaneamente, se faz y se transforma através da presença-ausência dos corpos no espaço.

"o território não é feito apenas de sua porção espacial, física, mas é criado nas relações, usos, ocupação e sentimento de pertencimento. Um território é sempre político" (CAMPBELL, 2018, p. 53).

"Um território desfabulado é lugar de deteriorização e inércia. Recuperar a potência de fabulação do território é a tarefa empreendida pelo artista-pesquisador." (MARQUEZ, 2019, p. 92)

"A redefinição das relações entre o espaço construído, os territórios existenciais da humanidade (mas também da animalidade, das espécies vegetais, dos valores incorporais e dos sistemas maquínicos) tornar-se-á uma das principais questões da re-polarização política, que sucederá o desmoronamento do eixo esquerda-direita entre conservadores e progressistas. Não será mais apenas questão de qualidade de vida, mas do porvir da vida enquanto tal, em sua relação com a biosfera" (GUATARRI, 1992, p.164-165)

“O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence.” (SANTOS, 2000, p. 96)

corpo

o corpo por si só é espaço.

espaço em movimento constante.

 

espaço com geografia e topografia próprias, o espaço_corpo só vive porque nele vivem vários outros espaços_movimento menores.

a memória muscular é a memória das dinâmicas que habitam ou habitaram esse espaço. paisagens_memória de cheiros, gostos, sons, dores, olhares, toques que visitaram esse território.

o território é um palimpsesto porque é uma sobreposição imensa do que já habitou ali, com marcas visíveis e invisíveis. não é também o corpo assim?

o nosso DNA mesmo carrega em si rastros de todas as formas de vida, somos uma sobreposição de possibilidades de vida na terra (COCCIA, 2020).

o corpo_espaço é movimento constante.

assim, quando falarmos de corpo, estamos falando de

corpo_espaço_movimento

"Ao levar a performance a sério, considerando-a um sistema de aprendizagem, armazenamento e transmissão de conhecimento, os estudos da performance nos permitem ampliar o que entendemos por "conhecimento". Esse gesto, para começar, pode nos preparar para desagiar a preponderância da escrita nas epistemologias ocidentais. Como sugiro neste estudo, a escrita, paradoxalmente, passou a substituir a incorporação e a se colocar contra ela" (TAYLOR, 2013, p. 45)

"Minha hipótese é a de que o corpo em performance é, não apenas, expressão ou representação de uma ação, que nos remete simbolicamente a um sentido, mas principalmente local de inscrição de conhecimento, conhecimento este que se grada no gesto, no movimento, na coreografia; nos solfejos da vocalidade, assim como nos adereços que performativamente o recobrem. Nesse sentido, o que no corpo se repete não se repete apenas como hábito, mas como técnica e procedimento de inscrição, recriação, transmissão e revisão da memória do conhecimento, seja este estético, filosófico, metafísico, científico, tecnológico, etc." (MARTINS, 2003, p. 66).

"Os atos incorporados e performatizados geram, gravam e transmitem conhecimento" [...] "Parte do que a performance e os estudos da performance nos permitem fazer, então, é levar a sério o repertório de práticas incorporadas como um importante sistema de conhecer e transmitir conhecimento" (TAYLOR, 2013, p. 51 e p.57)

“Não há memória sem memória corporal” (CASEY, apud PALLASMAA, 2018, p. 27)

"Livre. Ocupado. Uma vez fechada a porta, uma privada branca, entre 40 e 50 centímetros de altura, como se fosse um banquinho de cerâmica perfurado que conecta o nosso corpo defecante a uma invisível cloaca universal (na qual se misturam os resíduos de mulheres e homens), nos convida a sentar tanto para cagar quanto para mijar. O vaso sanitário feminino reúne assim duas funções diferenciadas tanto pela sua consistência (sólido/líquido), como pelo seu ponto anatômico de evacuação (duto urinário/ânus), sob uma mesma postura e um mesmo gesto: feminino=sentado. Ao sair da cabine reservada à excreção, o espelho, reverberação do olhar público, convida ao retoque da imagem feminina sob o olhar regulador de outras mulheres. Atravessemos o corredor para nos dirigir agora ao banheiro masculino. Fixados na parede, a uma altura entre 80 e 90 centímetros do chão, um ou vários mictórios agrupam-se em um espaço, geralmente também destinado às pias, acessível ao olhar público. Dentro desse espaço, uma peça fechada, separada categoricamente do olhar público por uma porta com fechadura, permite o acesso a uma privada similar à que mobilia os banheiros femininos. A partir do início do século 20, a única lei arquitetônica comum a toda construção de banheiros masculinos é essa separação de funções: mijar-de-pé-mictório/cagar-sentado-privada. Em outras palavras, a produção eficaz da masculinidade heterossexual depende da imperativa separação da genitalidade e da analidade. Poderíamos pensar que a arquitetura constrói barreiras quase naturais, respondendo a uma diferença essencial de funções entre homens e mulheres." (PRECIADO, 2018, n.p.)

"O papel da escrita é constituir, com tudo o que a leitura constituiu, um “corpo” (FOUCALT, 1992, apud SOUZA, 2019, p. 15)

“Meus olhos já esqueceram o que viram outrora, mas meu corpo ainda se lembra” (PALLASMAA, 2018, p. 19)

“Lembrar não é somente um evento mental - também é um ato de corporificação e projeção. [...]. Todos os nossos sentidos e órgãos pensam e se lembram” (PALLASMAA, 2018, p. 26)” (PALLASMAA, 2018, p. 25-26)

"[...] o que deve ser resgatado quando se pensa em teatro é o ato performático, ou seja, o exercício de viver o corpo numa situação de liberdade para a criação." (GARROCHO, 2008, apud MACHADO, 2010, p. 121)

"Ao mudar o foco da cultura escrita para a cultura incorporada, do discursivo para o performático, precisamos mudar nossas metodologias. [...]. Essa mudança necessariamente altera o que as disciplinas acadêmicas veem como cânones apropriados e pode ampliar as fronteiras disciplinares tradicionais a dim de incluir práticas anteriormente fora de sua jurisdição" (TAYLOR, 2013, p. 45)

“A experiência de um lugar ou espaço sempre é uma troca curiosa: à medida que me assento em um espaço, o espaço se assenta em mim. Vivo em uma cidade, e a cidade vive em mim” (PALLASMAA, 2018, p. 25)

"o que fazer de meu corpo dentro de um Corpo coletivo?" (MONGIN, 2009, apud SOUZA, 2019, p. 9)

"O espaço e o corpo, quando considerados por disciplinas como a arquitetura e a medicina, são apreendidos a partir de categorias distintas e autônomas. A abordagem fenomenológica do espaço e do corpo vivido mostra-nos seu caráter de inseparabilidade. [...]. À dobra do corpo sobre si mesmo é acompanhada por um desdobramento de espaços imaginários. Quando dirijo um carro, minha atração pelo espaço frontal equivale a colocar entre parênteses meu esquema corporal, deixando de lado a visão e os membros que se acham em posição de sujeição cibernética à máquina automobilística e aos sistemas de sinalização emitidos pelo meio rodoviário. No cinema, o corpo se encontra radicalmente absorvido pelo espaço fílmico, no seio de umarelação quase hipnótica. [...]. O espaço da escritura é, sem dúvida, um dos mais misteriosos que se nos oferece, e a postura do corpo, os ritmos respiratórios e cardíacos, as descargas humorais nele interferem fortemente" (GUATARRI, 1992, p. 153)

"Um corpo dissidente pode ocupar e se fazer visível no espaço urbano de várias maneiras, mas um corpo para além de sua materialidade existe também enquanto imagem, imagem de reforço ou de desvio das normas de gênero." (GALUPPO, 2019, p. 8)

"A corporalidade é uma noção fundamental da perspectiva fenomenológica: um âmbito que une e embaralha aspectos biológicos, culturais e inter-relacionais; somos nossa herança genética e nossa história factual, e, nessa chave, nunca poderemos saber ao certo o que advém disso e o que está culturalmente dado;" (MACHADO, 2010, p. 125)

"[...] se a escrita de si é a narrativa da experiência e do ser mulher, então escrita de si é memória. E, sem memória, não há corpo. Este escrever constitui os próprios espaços interiores e elabora um outro olhar à intimidade-mulher e às políticas de se relacionar com o outro e com o espaço." (SOUZA, 2019, p. 15)

"O erótico é um recurso que mora no interior de nós mesmas, assentado em um plano profundamente feminino e espiritual, e firmemente enraizado no poder de nossos sentimentos não pronunciados e ainda por reconhecer. Para se perpetuar, toda opressão deve corromper ou distorcer as fontes de poder inerentes à cultura das pessoas oprimidas, fontes das quais pode surgir a energia da mudança. No caso das mulheres, isso se traduziu na supressão do erótico como fonte de poder e informação em nossas vidas." (LORDE, 1984, n.p.)

"Júlia Panadés define a noção de corpo em obra (...)[que] pode ser entendida como uma deriva da formulação I do, I undo, I redo (PANADÉS, 2017, p.10), de Louise Bourgeois, porque nela se conjuguem o gesto restante e o resto gestante envolvidos num processo de feitura." (SOUZA, 2019, p. 4)

"acolher o caráter finito e ilimitado do processo de produção da realidade que é o desejo. Para que isso seja possível, ele se utiliza de um “composto híbrido”, feito do seu olho, é claro, mas também, e simultaneamente, de seu corpo vibrátil, pois o que quer é aprender o movimento que surge da tensão fecunda entre fluxo e representação: fluxo de intensidades escapando do plano de organização de territórios, desorientando suas cartografias, desestabilizando suas representações e, por sua vez, representações estacando o fluxo, canalizando as intensidades, dando-lhes sentido." (ROLNIK, 1989)

cartografar

trans-escalar

multi-disciplinar

sensível

sensibilidade cartográfica

 para encontrar

 pontes de linguagem

ao mergulhar em geografias de afetos

e atravessar rastros

do território no corpo

e do corpo no território

"Para os geógrafos, a cartografia - diferentemente do mapa, representação de um todo estático - é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da paisagem. Paisagens psicossociais também são cartografáveis. A cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos - sua perda de sentido - e a formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes tornaram-se obsoletos. Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para afetos que pedem passagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que, atento às linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis para a composição das cartografias que se fazem necessárias. O cartógrafo é antes de tudo um antropófago." (ROLNIK, 1989)

"Para isso, o cartógrafo absorve matérias de qualquer procedência. não tem o menor racismo de freqüência, linguagem ou estilo. Tudo o que der língua para os movimentos do desejo, tudo o que servir para cunhar matéria de expressão e criar sentido, para ele é bem-vindo. Todas as entradas são boas, desde que as saídas sejam múltiplas. Por isso o cartógrafo serve-se de fontes as mais variadas, incluindo fontes não só escritas e nem só teóricas. Seus operadores conceituais podem surgir tanto de um filme quanto de uma conversa ou de um tratado de filosofia. O cartógrafo é um verdadeiro antropófago: vive de expropriar, se apropriar, devorar e desovar, transvalorado. Está sempre buscando elementos/alimentos para compor suas cartografias. Este é o critério de suas escolhas: descobrir que matérias de expressão, misturadas a quais outras, que composições de linguagem favorecem a passagem das intensidades que percorrem seu corpo no encontro com os corpos que pretende entender. " (ROLNIK, 1989)

"Desmontam-se as imagens iconográficas da cartografia na busca incerta da formulação de uma geografia da experiência. Chove no mapa. Tal fenômeno é uma imagem do mundo tentando penetrar na sua representação; a natureza reafirmando o seu ímpeto na assepsia da cartografia. [...]. A escala do corpo desvela a dimensão subjetiva da experiência geográfica. [...]. Sendo assim, o que ocorre quando o mapa se transforma em coisa-em-ação, para além da sua função instrumental de ser legível? Aí, a sua propriedade comunicacional desdobra-se de leitura cartográfica para uma densidade perceptiva ou uma prática espacial." (MARQUEZ, 2014, p. 54)

"A margem da desobediência cartográfica é o estrato heterotópico que ainda constitui um desafio à representação de todo mapa. As heterotopias angustiam o exercício cartográfico e minam a estabilidade esquemática do mapa inventário. Os estratos heterotópicos do mapa combatem a ausência do cartógrafo – os olhos de Apolo – com o seu oposto: concebem tentativas de povoar o mapa e criar linhas de força que guiam a percepção do mapa para sobreleituras, sobrerrotas e sobrepovoamentos num exercício de representação de uma multiplicidade de durações. Extravios cartográficos são propostos por cartógrafos conscientes do poder de discurso e críticos quanto à autoridade nada inocente da formação de um pensamento de mundo inerente ao mapa. Todo mapa reflete o seu ponto de vista cultural, traça o mundo a partir das relações do lugar de onde é visto" (MARQUEZ, 2014, p. 47)

"Vê-se que a linguagem, para o cartógrafo, não é um veículo de mensagens-e-salvação. Ela é, em si mesma, criação de mundos." (ROLNIK, 1989)

"Uma cartografia pós-abissal desenha um mundo policêntrico e polissêmico, expandindo as suas maneiras de reconhecimento" (MARQUEZ, 2014, p. 51)

"Restaria saber quais são os procedimentos do cartógrafo. Ora, estes tampouco importam, pois ele sabe que deve “inventá-los” em função daquilo que pede o contexto em que se encontra. Por isso ele não segue nenhuma espécie de protocolo normalizado.

 

O que define, portanto, o perfil do cartógrafo é exclusivamente um tipo de sensibilidade, que ele se propõe fazer prevalecer, na medida do possível, em seu trabalho. [...] acolher o caráter finito e ilimitado do processo de produção da realidade que é o desejo. Para que isso seja possível, ele se utiliza de um “composto híbrido”, feito do seu olho, é claro, mas também, e simultaneamente, de seu corpo vibrátil, pois o que quer é aprender o movimento que surge da tensão fecunda entre fluxo e representação: fluxo de intensidades escapando do plano de organização de territórios, desorientando suas cartografias, desestabilizando suas representações e, por sua vez, representações estacando o fluxo, canalizando as intensidades, dando-lhes sentido."(ROLNIK, 1989)

"Não se vive em um espaço neutro e branco; não se vive, não se morre, não se ama no retângulo de uma folha de papel." (FOUCAULT, 2013, p. 13)

"“Cada árvore um mapa diferente (e efêmero, mas assim são todos os mapas), uma intenção individual de caminhos, encruzilhadas, passagens e pontes” (CORTÁZAR; DUNLOP, 1996, p.124). Desta forma, Cortázar define o trabalho inesgotável do cartógrafo no qual se converte: intenção individual, registro de efemeridades, territórios desdobráveis em outros territórios com formas pouco convencionais para um mapa (como o é uma árvore)." (MARQUEZ, 2014, p. 61)

A prática do cartógrafo é, aqui, imediatamente política." (ROLNIK, 1989)

"[...] repensar a cartografia como uma plataforma científica que, mesmo nas suas origens, já guardava uma potência mítica para relatos abertos e transversais à ciência e que, no contexto atual, pode tornar-se uma plataforma de ação criativa em prol de novas sensibilidades perceptivas, novos mundos estéticos e novos movimentos prospectivos de transformação imaginativa do espaço, ampliando e complexificando o esforço de conhecer as nossas relações geográficas." (MARQUEZ, 2014, p. 41)

"Um território desfabulado é lugar de deteriorização e inércia. Recuperar a potência de fabulação do território é a tarefa empreendida pelo artista-pesquisador." (MARQUEZ, 2019, p. 92)

"Isso nos permite fazer mais duas observações: o problema, para o cartógrafo, não é o do falso-ou-verdadeiro, nem o do teórico-ou-empírico, mas sim o do vitalizante-ou-destrutivo, ativo-ou-reativo. O que ele quer é participar, embarcar na constituição de territórios existenciais, constituição de realidade" (ROLNIK, 1989)

"Por outro lado, da mesma forma que para os surrealistas e também para os situacionistas, caminhar funciona como um medium, um procedimento capaz de cartografar o próprio escritor. Mas esse medium assemelha-se mais a uma espécie de antropologia do que a uma prática de psicanálise" (MARQUEZ, 2014, p. 57)

anti-objetivo

Investigar cartografias y mapas anti-objetivos que relacionem

  1. CORPO,

  2. TERRITÓRIO, 

  3. PAISAGEM,

  4. MEMÓRIA,

  5. duas ou mais das opções acima juntas.

 

Experimentar cartografar o meu próprio corpo-território, com essas e outras inspirações. Contar o processo.  Indagar se esse pode ser um processo de escrita de si que partem da paisagem da memória, dos afetos e das intuições.

desejo

Desejo que esse zigoto metamorfoseante seja um rizoma 

e dele brotem práticas arte-educativas de escrita de si.

Confio no potencial empoderador de narrar a própria vivência, seja para si mesme, seja para o mundo.

Nem sempre a língua do território-corpo é a palavra.

Em oposição ao apagamento e ao silenciamento - práticas colonizadoras de domínio e violência sobre os corpos-território não padrão - convido a registrar, a traçar memórias e afetos. Desejo propor atividades de registrar nossos afetos sobre uma superfície: pode ser a tinta no papel, pode ser a linha no tecido, pode ser o lápis na parede, etc. Essas atividades são para deixar rastros. Rastros analisáveis e legíveis aos sensíveis. Rastros identitários que falam sobre território. Falam do território partindo da intuição e da memória de cada ume.

lista com principais referências bibliográficas até o momento

TAYLOR, Diana. O arquivo e o repertório: performance e memória cultural nas Américas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.

 

CAMPBELL, Brígida. ARTE PARA UMA CIDADE SENSÍVEL. Invisíveis Produções, São Paulo, 2018.

MARTINS, Leda. Performances da oralitura: corpo, lugar da memória. Revista Letras nº 26 - Língua e Literatura: Limites e Fronteiras. Programa de Pós Graduação em Letras - PPGL/UFSM. 2003.

LORDE, Audre. Os usos do erótico: o erótico como poder. In: Sister outsider: essays andspeeches. New York: The Crossing Press Feminist Series, 1984. p. 53-59. Tradução feita por Tatiana Nascimento dos Santos – Dezembro de 2009, retirada do Zine “Textos escolhidos de Audre Lorde”.

RUFINO, Luiz. PEDAGOGIA DAS ENCRUZILHADAS. Ed. Mórula, 2019.

ROLNIK, Sueli. CARTOGRAFIA ou de como pensar com o corpo vibrátil. Em: Cartografia Sentimental - Transformações contemporâneas do desejo. Editora Estação Liberdade, São Paulo, 1989.

MARQUEZ, Renata. Geografias Portáteis. Belo Horizonte: Piseagrama, 2019.

COCCIA, Emanuele. METAMORFOSES. Ed. Dantes, 2020.

SOUZA SANTOS, Boaventura. PARA ALÉM DO PENSAMENTO ABISSAL - Das linhas globais a uma ecologia de saberes. Revista Novos Estudos, 2007.

SOUZA, Ana Cecília. Corpo como Livro como Corpo. Trabalho de Conclusão de Curso (Design UFMG). 2019.

COHEN, Renato. PERFORMANCE COMO LINGUAGEM - CRIAÇÃO DE UM TEMPO-ESPAÇO DE EXPERIMENTAÇÃO. Ed. Perspectiva 1ª ed. 2002.

GONÇALVES, Fernando do Nascimento. Performance: um fênomeno de arte-corpo-comunicação. LOGOS 20: Corpo, Arte & Comunicação. Ano 11, n. 20, 2004.

PALLASMAA, Juhani. ESSÊNCIAS. Editorial Gustavo Gili - Coleção GGperfis. São Paulo, 2018.

MACHADO, Marina Marcondes. A Criança é Performer. Educação & Realidade. Maio/ago 2010.

Paul B. Preciado. Lixo e Gênero. Mijar/Cagar. Masculino/Feminino. Revista Select - nº 38, publicado em 20/04/2018.

OUDENAMPSEN, Merijn. A cidade como playground. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, número 03, página 52 - 55, 2011.

MOMBAÇA, Jota. O mundo é meu trauma. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, número 11, página 20 - 25, 2017.

FOUCAULT, Michel. AS HETEROTOPIAS. In: O CORPO UTÓPICO, AS HETEROTOPIAS com posfácio de Daniel Defert. n-1 edições, 2013.

BESSE, Marc. O gosto do mundo: exercícios de paisagem. Capítulo I - As cinco portas da paisagem - ensaio de uma cartografia das problemáticas paisagísticas contemporâneas. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2014.

GUATARRI, Félix. CAOSMOSE - Um Novo Paradigma Estético. Trad. Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. Ed. 34, Coleção TRANS. São Paulo, 1992.

GAGNEBIN, Jeanne Marie. APAGAR OS RASTROS, RECOLHER OS RESTOS.In: Walter Benjamin: rastro, aura e história / Sabrina Sedlmayer, Jaime Ginzburg (Org.) – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.

GALUPPO, Dri. cidade queer: uma autobiografia plural. Programa de Pós-Graduaçã em Arquitetura e Urbanismo da UFMG. Belo Horizonte, 2019.

CORREA XAKRIABÁ, Célia Nunes. O Barro, o Genipapo e o Giz no fazer epistemológico de Autoria Xakriabá: reativação da  memória por uma educação territorializada. Brasília – DF, 2018.

Oficina Traço-Território, ministrada online por Paloma Durante. Coletivo USO. Fevereiro/2021.

Oficina Corpo em Performance, de Renat Castillo. Março/2021.

 

Aulas das matérias Escolas da Terra, no 2/2020, e Artes e Performatividades Comunitárias, no 1/2021, ofertadas pela Formação Transversal em Saberes Tradicionais da Universidade Federal de Minas Gerais.

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EXTRAVIOS CARTOGRÁFICOS

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