CORPO-TERRITÓRIO y ESPAÇO


CAMINHOS DO BRINCAR
BRINCAR é verbo, é movimento, é incorporação - corporalidade, ginga, dança, performatividade. Tão singelo quanto um toque. Tão simples quanto um rio.
Brincar de escrever sobre o brincar é uma cambalhota epistemológica. Todo mundo sabe o que é brincar porque brinca! Não é coisa de se explicar com teoria. Brincar nem coisa é. Brincar é território-corpo, estado de imaginação e, quem sabe, até de encantamento.
Os caminhos do brincar apontam para o processo criativo que se dá no encontro de corpos vibráteis: territórios que se cruzam e fazem uma encruzilhada. Encontro/encruzilhada é o nó de saberes que se troca no brincar. Na fresta entre realidade e ficção, o brincar corporifica a memória.
Então você já deve ter percebadvinhado que brincar não é só amarelinha, ioiô, três marias, pular corda, etc. “A infância não é um tempo na vida, a infância é um modo de habitar o mundo. Desde o nascer até o morrer, a infância é algo que está comigo. O difícil é deixar essa infância vir” (AMÂNCIO, 2021)
Ao trazer à tona o papo da criança performer, Marina Marcondes Machado (2010) deixa uma fresta para nos perguntarmos até que ponto o que ela traz tem idade para acontecer, ou se é sobre essa infância que está com a gente. Essa caminho de encantar. "Surge assim a seguinte indagação: seria a criança passível de imitar a arte performática, ou é o artista que busca o modo de ser e estar da criança e brinca, joga com o corpo, age por motivação intrínseca?" (MACHADO, 2010, p. 122)
“Tem uma pergunta do corpo querendo saber: do quê que o corpo dá conta?” (AMÂNCIO, 2021) e essa pergunta não tem idade. A performance retoma essa pergunta. Tô dizendo é que a curiosidade e o eros (LORDE, 1984) de saber mais sobre algo não estão nos limites de “criança” ou “performance”, mas estão dentro de cada ume de nós, quando nosso desejo cruza com a entrega do corpo-território para uma experiência.
Assim, tanto no brincar quanto no aprender “Há um caminho a ser percorrido, há uma descoberta. Há um não saber para conhecer” (AMÂNCIO, 2021). O “espaço potencial de criação e troca” (MACHADO, 2010, p. 117) que o brincar convida é um espaço educativo.
A arte-educação habita nesse cruzo entre brincar e aprender. Por isso, as práticas arte-educativas são transversalmente dimensões ética, política e poética. Se localiza contra a maquinaria escolar e contra o “universalismo pregado como mote de um modelo de consciência e razão totalitária, produtor do desvio existencial/coisificação dos seres, [...] elemento propulsor da destruição de saberes praticados durante séculos” (RUFINO, 2019, p. 19). A arte-educação, enquanto caminho do brincar, nos ensina que a construção de uma relação de aprendizagem se dá na troca. Todes são, em certa medida, educadores e educandos. Mais do que isso, ao ir realizar uma prática arte-educativa não podemos ir com um plano ou objetivos estritos. A prática se dá no aqui e agora, os corpos presentificados através da entrega é que possibilitam o compartilhar de saberes. E, neste sentido, a prática arte-educativa apoia a "revalorização da cultura expressiva e incorporada" (TAYLOR, 2013, p. 45).
Na vivência de práticas de arte-educação vivemos-construímos naquele território e o território vive em nós. Construímos um espaço-tempo, conectado a troca e ao brincar, mas também ao espaço geográfico. Uma “troca curiosa: à medida que me assento em um espaço, o espaço se assenta em mim. Vivo em uma cidade, e a cidade vive em mim” (PALLASMAA, 2018, p. 25). Como o corpo carrega memória, e o corpo também carrega território - “Eu fui lá buscar o que eu já sabia” (RAINHA BELINHA, 2021)
Tolstói, em seus cadernos pedagógicos, diz: "Em cada criança há o desejo de independência que nenhum ensino deve destruir". Isso é dizer: em cada ume de nós há o desejo de independência que nenhum ensino deve destruir. Melhor ainda: há em cada ume de nós o desejo, que nenhum ensino deve destruir.
O brincar é par do desejo. Se for ímpar, não tem brincadeira. Só se for de par-ou-ímpar. Na brincadeira, quando existe certo e errado é tão flexível que pode mudar a qualquer momento. O brincar é construído em imprevisibilidade, entrega y troca.